Cresceu nos últimos anos o recurso à chamada contraceção de emergência, administrada durante os primeiros dias após uma relação sexual não protegida. A dispensa nunca foi tão alta desde 2012, atingindo as 170 360 mil embalagens em 2015, portanto, 466 tomas por dia. Em 2012 tinham sido vendidas 132 029, ou seja cresceu 30%, revelam dados da consultora IMS Health, fornecidos pelo Infarmed, regulador do medicamento e dos produtos da saúde. Este aumento coincide com a diminuição das interrupções voluntárias da gravidez (IVG).
Segundo a Associação para o Planeamento da Família (APF), o indicador terá uma explicação multifatorial, na qual encaixam dificuldades financeiras em adquirir contraceção primária, o argumento tradicional da insuficiente educação sexual e o efeito da disponibilização sem receita de uma nova pílula de longo alcance, com uma janela terapêutica de cinco dias.
Menos abortos
Por ser uma tendência recente, Duarte Vilar, diretor da APF, diz que as explicações devem ser cautelosas e elaboradas dentro do campo das hipóteses, até porque um estudo recente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia revelava um aumento da prevalência da contraceção em Portugal.
Por outro lado, diante das adversidades, as mulheres fazem muitas alterações de comportamento. E é quando se fazem alterações de quotidiano que se verifica um maior número de falhas na contraceção, diz Duarte Vilar.
O crescendo de utilização da pílula do dia seguinte também não será alheio ao facto de se ter começado a vender em abril de 2015, sem necessitar de receita, uma pílula de eficácia a 120 horas. “É um novo método que abre mais possibilidades às mulheres”. Em 2015, dispensaram-se mais 4500 embalagens de pílulas nas farmácias, precisamente onde é vendida em exclusivo esta nova medicação portadora de uma maior janela temporal: cinco dias. As pílulas para três dias são de venda livre e a sua comercialização fora das farmácias até caiu nestes últimos quatro anos (8953 em 2015). O valor total mais alto de pílulas vendidas foi em 2007 e cifrou-se em 237 mil.
Para Duarte Vilar, a toma do contracetivo oral de emergência também pode ser um "sinal de responsabilidade" das mulheres. "Sabem que assim podem evitar uma gravidez indesejável. Repare-se que as IVG têm vindo a descer". Em 2014, foram realizadas 16 589 IVG, contra 18 282 em 2013 e 19 156 em 2012. Em 2011, tinham sido 20 480, pouco mais do que as 20 137 de 2010.
Pela experiência no atendimento, Vera Carnapete, psicóloga e terapeuta sexual, diz que parte do problema prende-se com a utilização dos preservativos. "Faz-se contraceção, mas não se faz bem feita. Não se sabe como colocar corretamente um preservativo. Falha a competência de utilização". E porque é que isto acontece? "Nas escolas dá-se informação, todos sabem o que é um preservativo, mas a aprendizagem não inclui o treino de como o colocar".
Ana Paula Costa, ginecologista responsável pela consulta de Planeamento Familiar no Hospital S. João, no Porto, e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Contraceção, sublinha que é preciso desfazer alguns mitos. A pílula "já não é a bomba hormonal de antigamente. Pode ser tomada em qualquer idade e, no caso de já haver gravidez, não causa malformações no feto. Não é abortiva, porque o que faz é inibir o processo da ovulação". A sua eficácia, porém, não é garantida a 100%, embora seja maior se a toma ocorrer nas 24 horas após a relação. "Será de 95% no primeiro dia e de 58% ao terceiro". Pode ser tomada várias vezes num ano? "Sim. Mas deve ser a última oportunidade para evitar uma gravidez não planeada e parece-me preferível que se faça a compra na farmácia, para que a mulher perceba exatamente como funciona".
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